domingo, 29 de junho de 2014

Resumo sobre República Velha


República Velha (1889 – 1930)
Os treze presidentes. Ao longo da República Velha, que é a denominação convencional para a história republicana que vai da proclamação (1889) até a ascensão de Getúlio Vargas em 1930, o Brasil conheceu uma seqüência de treze presidentes. O traço mais saliente dessa primeira fase republicana encontra-se no fato de que a política esteve inteiramente dominada pela oligarquia cafeeira, em cujo nome e interesse o poder foi exercido.
Desses treze presidentes, três foram vices que assumiram o poder: Floriano Peixoto, em virtude da renúncia de Deodoro da Fonseca; Nilo Peçanha, pela morte de Afonso Pena; e, finalmente, Delfim Moreira, pela morte de Rodrigues Alves, ocorrida logo após a sua reeleição.
Clique aqui e confira todos os presidentes do Brasil desde 1889 até os nossos dias ! ! !

Governo Provisório (1889-1891). Proclamada a República, na mesma noite de 15 de novembro de 1889 formou-se o Governo Provisório, com o Marechal Deodoro como chefe de governo. Eis o primeiro ministério da República:
• Interior: Aristides da Silveira Lobo;
• Relações Exteriores: Quintino Bocaiúva; • Fazenda: Rui Barbosa;
• Guerra: tenente-coronel Benjamin Constant;
• Marinha: Eduardo Wandenkolk;
• Agricultura, Comércio e Obras Públicas: Demétrio Nunes Ribeiro;
• Justiça: Manuel Ferraz de Campos Sales.

Primeiras medidas. O Governo Provisório, assim formado, decretou o regime republicano e federalista e a transformação das antigas províncias em "estados" da federação. O Império do Brasil chamava-se, agora, com a República, Esta­dos Unidos do Brasil - o seu nome oficial.
Em caráter de urgência, foram tomadas também as seguintes medidas: a "grande naturalização", que ofereceu a cidadania a todos os estrangeiros residentes; a separação entre Igreja e Estado e o fim do padroado; a instituição do casamento e do registro civil. Porém, dentre as várias medidas, destaca-se particularmente o "encalhamento", adotado por Rui Barbosa, então ministro da Fazenda.

O “encilhamento”. Na corrida de cavalos, a iminência da largada era indicada pelo seu encalhamento, isto é, pelo momento em que se apertavam com as cilhas (tiras de couro) as selas dos cavalos. É o instante em que as tensões transparecem no nervosismo das apostas. Por analogia, chamou-se "encilhamento" à poli­tica de emissão de dinheiro em grande quantidade que redundou numa desenfreada especulação na Bolsa de Valores.
Para compreender por que o Governo Provisório decidiu emitir tanto papel-moeda, é preciso recordar que, durante a escravidão, os fazendeiros se encarregavam de fazer as com­pras para si e para seus escravos e agregados. E o mercado de consumo estava praticamente limitado a essas compras, de modo que o dinheiro era utilizado quase exclusivamente pelas pessoas ricas. Por essa razão, as emissões de moeda eram irregulares: emitia-se conforme a necessidade e sem muito critério.
A situação mudou com a abolição da escravatura e a grande imigração. Com o trabalho livre e assalariado, o dinheiro passou a ser utilizado por todos, ampliando o mercado de consumo.
Para atender à nova necessidade, o Governo Provisório adotou uma política emissionista em 17 de janeiro de 1890. O ministro da Fazenda, Rui Barbosa, dividiu o Brasil em quatro regiões, autorizando em cada uma delas um banco emissor. As quatro regiões autorizadas eram: Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. O objetivo da medida era o de cobrir as necessidades de pagamento dos assalariados - que aumentaram desde a abolição - e, além disso, expandir o crédito a fim de estimular a criação de novas empresas.
Todavia, a desenfreada política emissionista acarretou uma inflação* incontrolável, pois os "papéis pintados" não tinham como lastro outra coisa que não a garantia do governo. Por isso, o resultado foi muito diverso do espera­do: em vez de estimular a economia a crescer, desencadeou uma onda especulativa. Os especuladores criaram projetos mirabolantes e irrealizáveis e, em seguida, lançaram as suas ações na Bolsa de Valores, onde eram vendidas a alto preço. Desse modo, algumas pessoas fizeram fortunas da noite para o dia, enquanto seus projetos permaneciam apenas no papel.
Em 1891, depois de um ano de orgia especulativa, Rui Barbosa se deu conta do cará­ter irreal de sua medida e tentou remediá-la, buscando unificar as emissões no Banco da República dos Estados Unidos do Brasil. Mas a demissão coletiva do ministério naquele mesmo ano frustrou a sua tentativa.

A Constituição de 1891


Características. Logo após a proclamação da República, foi convocada uma Assembléia Constituinte para elaborar uma nova Constituição, promulgada em 24 de fevereiro de 1891.
A nova Constituição inspirou-se no modelo norte-americano, ao contrário da Constituição imperial, inspirada no modelo francês.
Segundo a Constituição de 1891, o nosso país estava dividido em vinte estados (antigas províncias) e um Distrito Federal (ex-município neutro). Cada estado era governado por um “presidente”. Declarava também que o Brasil era uma república representativa, federalista e presidencialista.

A Consolidação da República (1891-1894)

“Em vez de quatro poderes, como no Império, foram adotados três: Executivo, Legislativo e Judiciário”.
Executivo, exercido pelo presidente da República, eleito por voto direto, por quatro anos, com um vice-presidente, que assumiria a presidência no afastamento do titular, efetivando-se, sem nova eleição, no caso de afastamento definitivo depois de dois anos de exercício.
Legislativo, com duas casas temporárias Câmara dos Deputados e Senado Federal que, reunidos, formavam o Congresso Nacional (...).
Judiciário, com o Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo, cuja instalação foi providenciada pelo Decreto n° 1, de 26 de fevereiro de 1891, que também dispôs sobre os funcionários da Justiça Federal. Os três poderes exercer-se-iam harmoniosa, mas independentemente.”

Civis e militares. A República foi obra, basicamente, dos partidos republicanos - notadamente o de São Paulo -, unidos aos militares de tendência positivista. Porém, tão logo o grande objetivo foi atingido, ocorreu a cisão entre os "republicanos históricos" e os militares. As divergências giraram em torno da questão federalista: os civis defendiam o federalismo e os         militares eram centralistas, portanto partidários de um poder central forte.

A eleição de Deodoro. Conforme ficara estabelecido, a Assembléia Constituinte, após a elaboração da nova Constituição, transformou-se em Congresso Nacional, encarregado de eleger o primeiro presidente da República. Para essa eleição apresentaram-se duas chapas: a primeira era encabeçada por Deodoro da Fonseca para presidente e o almirante Eduardo Wandenkolk para vice, a segunda era constituída por Prudente de Morais para presidente e o marechal Floriano Peixoto para vice.
A eleição realizou-se em meio a tensões muito grandes entre militares e civis, pois o Congresso Nacional era francamente contrário a Deodoro. Em primeiro lugar, porque este ambicionava fortalecer o seu poder, chegando mesmo a se aproximar de monarquistas confessos, como o barão de Lucena, a quem convidou para formar o segundo ministério no Governo Provisório, após a renúncia coletiva do primeiro. Em segundo, devido à impopularidade de e ao desgaste de Deodoro, motivados pelas crises desencadeadas pelo "encilhamento", pelas quais, junto com Rui Barbosa, era direta mente responsável.
Prudente de Morais tinha a maioria. Teoricamente seria eleito. Contudo, os militares ligados a Deodoro fizeram ameaças, pressionando o Congresso a elegê-lo. E foi o que aconteceu, embora por uma pequena margem de votos. O vice de Deodoro, entretanto, foi derrotado por ampla diferença por Floriano Peixoto.

A renúncia de Deodoro. Deodoro, finalmente eleito presidente pelo Congresso, não conseguiu governar com este último. Permanente­mente hostilizado pelo Congresso, buscou o apoio dos governos dos estados. Na oposição estavam o mais poderoso dos estados - São Paulo - e o mais influente dos partidos - o PRP (Partido Republicano Paulista).
Em 3 de novembro de 1891, a luta chegou ao auge. Sem levar em conta a proibição constitucional, Deodoro fechou o Congresso e decretou o estado de sítio, a fim de neutralizar qualquer reação e tentar reformar a Constituição, no sentido de conferir mais poderes ao Executivo.
Porém, o golpe fracassou. As oposições - tanto civis como ' 'tares - cresceram e culminaram com a rebelião do contra-almirante Custódio de Melo, que ameaçou bombardear o Rio de Janeiro com os navios sob seu comando. Deodoro renunciou, assumindo em seu lugar Floriano Peixoto.

Floriano Peixoto (1891-1894). A ascensão de Floriano foi considerada como o retorno à legalidade. As Forças Armadas - Exército e Marinha - e o Partido Republicano Paulista apoiaram o novo governo. Os primeiros atos de Floriano foram: a anulação do decreto que dissolveu o Congresso; a derrubada dos governos estaduais que haviam apoiado Deodoro; o controle da especulação financeira e da especulação com gêneros alimentícios, através de seu tabelamento. Tais medidas desencadearam, imediatamente, violentas reações contra Floriano. Para agravar ainda mais a situação, a esperada volta à legalidade não aconteceu.
De fato, para muitos, era preciso convocar rapidamente uma nova eleição presidencial, conforme estabelecia o artigo 42 da Constituição, no qual se lia:

Art. 42 - Se, no caso de vaga, por qual­quer causa, da presidência ou vice-presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á à nova eleição.

Floriano não convocou nova eleição e permaneceu no firme propósito de concluir o mandato do presidente renunciante. A alegação de Floriano era de que a lei só se aplicava aos presidentes eleitos diretamente pelo povo. Ora, como a eleição do primeiro presidente fora indireta, feita pelo Congresso, Floriano simples­mente ignorou a lei.

O manifesto dos treze generais. Contra as pretensões de Floriano, treze oficiais (generais e almirantes) lançaram um manifesto em abril de 1892, exigindo a imediata realização das eleições presidenciais, como mandava a Constituição. A reação de Floriano foi simples: afastou os oficiais da ativa, reformando-os.

A revolta da Armada. Essa inabalável firmeza de Floriano frustrou os sonhos do contra-almirante Custódio de Melo, que ambicionava a presidência. Levadas por razões de lealdade pessoal, as Forças Armadas se dividiram. Custódio de Melo liderou a revolta da Armada estacionada na baía de Guanabara (1893). Essa rebelião foi imediatamente apoiada pelo contra-almirante Saldanha da Gama, diretor da Escola Naval, conhecido por sua posição monarquista.

A revolução federalista. No Rio Grande do Sul, desde 1892, uma grave dissensão política conduzira o Partido Republicano Gaúcho e o Federalista ao confronto armado. Os partidários do primeiro, conhecidos como "pica­paus", eram apoiados por Floriano, e os do segundo, chamados de "maragatos", aderiram à rebelião de Custódio de Melo.

Floriano, o Marechal de Ferro. Contra as rebeliões armadas, Floriano agiu energicamente, graças ao apoio do Exército e do PRP (Parti­do Republicano Paulista), o que lhe valeu a al­cunha de Marechal de Ferro. Retomando o controle da situação ao reprimir as revoltas, Floriano aplainou o caminho para a ascensão dos civis.

A "Política dos Governadores" e a Constituição da República Oligárquica


A hegemonia dos cafeicultores. Vimos anteriormente que a República tornou-se possível, em grande parte, graças à aliança entre militares e fazendeiros de café. Esses dois grupos tinham, entretanto, dois projetos distintos em relação à forma de organização do novo regime: os primeiros eram centralistas e os segundos, federalistas. Os militares não eram suficientemente poderosos para impor o seu projeto nem contavam com aliados que pudessem lhes dar o poder de que precisavam.
Os cafeicultores, ao contrário, contavam com um amplo arco de aliados potenciais e compunham, economicamente, o setor mais poderoso da sociedade. A partir de Prudente de Morais, que, em 1894, veio a suceder Floriano, o poder passou definitivamente para esses grandes fazendeiros. Mas foi com Campos Sales (189& 1902) que uma fórmula política duradoura de dominação foi finalmente elaborada: a "política dos governadores”.

A "política dos governadores". Criada por Campos Sales (1898-1902), a "política dos governadores" consistia no seguinte: o presidente da República apoiava, com todos os meios ao seu alcance, os governadores estaduais e seus aliados (oligarquia estadual dominante) e, em troca, os governadores garantiriam a eleição, para o Congresso, dos candidatos oficiais. Desse modo, o poder Legislativo, constituído por deputados e senadores aliados do presidente - poder Executivo -, aprovava as leis de seu interesse. Estava afastado assim o conflito entre os dois poderes.
Em cada estado existia, portanto, uma minoria (oligarquia) dominante, que, aliando-se ao governo federal, se perpetuava no poder. Existia também uma oligarquia que dominava o poder federal, representada pelos políticos paulistas e mineiros. Essa aliança entre São Paulo e Minas - que eram os estados mais poderosos -, cujos lideres políticos passaram a se revezar na presidência, ficou conhecida como a "política do café com leite".

A Comissão de Verificação. As peças para o funcionamento da "política dos governadores" foram, basicamente, a Comissão de Verificação e o coronelismo. As eleições na República Velha não eram, como hoje, garantidas por uma justiça eleitoral. A aceitação dos resultados de um pleito era feita pelo poder Legislativo, através da Comissão de Verificação. Essa comissão, formada por deputados, é que oficializava os resultados das eleições.  
O presidente da República podia, portanto, através do controle que tinha sobre a Comissão de Verificação, legalizar qualquer resultado que conviesse aos seus interesses, mesmo no caso de fraudes, que, aliás, não eram raras.

O coronelismo.

 O título de "coronel", recebido ou comprado, era uma patente da Guarda Nacional, criada durante a Regência, como já vimos. Geralmente, o termo era utilizado para designar os fazendeiros ou comerciantes mais ricos da cidade e havia se espalhado por todos os municípios.
Durante o Segundo Reinado, os localismos haviam sido sufocados pela política centralizadora, mas eles renasceram às vésperas da República. Com a proclamação e a adoção do federalismo, os coronéis passaram a ser as figuras dominantes do cenário político dos municípios.
Em torno dos coronéis giravam o membros das oligarquias locais e regionais. O seu poder residia no controle que exerciam sobre os eleitores. Todos eles tinham o seu "curral" eleitoral, isto é, eleitores cativos que votavam sempre nos candidatos por eles indicados, em geral através de troca de favores fundados na relação de compadrio. Assim, os votos despejados nos candidatos dos coronéis ficaram conheci­dos como "votos de cabresto”. Porém, quando a vontade dos coronéis não era atendida, eles a impunham com seus bandos armados - os jagunços -, que garantiam a eleição de seus candidatos pela violência.
A importância do coronel media-se, portanto, por sua capacidade de controlar o maior número de votos, dando-lhe prestígio fora de seu domínio local. Dessa forma, conseguia ob­ter favores dos governantes estaduais ou federais, o que, por sua vez, lhe dava condições para preservar o seu domínio.

O Crescimento do Mercado Interno


O mercado consumidor. Na última década do século XIX, o mercado de consumo se expandiu e se transformou estruturalmente devi­do à implantação do trabalho livre.
Conforme já mencionamos, na época da escravidão, os senhores concentravam o poder de compra, já que eles adquiriam os produtos necessários não apenas para si e sua família, mas também para os escravos. Assim, antes da maciça imigração européia, a parte mais importante do mercado de consumo era representada quase exclusivamente pelos fazendeiros.
A implantação do trabalho livre emancipou não apenas os escravos, mas também os consumidores, pois a intermediação dos fazendeiros, embora não desaparecesse completamente, começou, gradativamente, a perder importância. Consumidores, com dinheiro na mão, decidiam por si mesmos o que e onde comprar. Com isso, o mercado de consumo se pulverizou. Conforme veremos adiante, esse crescimento e segmentação do mercado de consumo exerceu uma pressão poderosa no sentido da modernização da economia brasileira.

A tradição da monocultura. Entretanto, o principal setor da economia - a cafeicultura - continuava crescendo dentro de padrões coloniais. Na verdade, a cafeicultura não apenas precisava preservar o caráter colonial da economia brasileira, mas também ajudava a mantê-lo. Como no passado, a economia cafeeira estava inteiramente organizada para abas­tecer o mercado externo, no qual, por sua vez, adquiria os produtos manufaturados de que precisava.
Esse padrão econômico tinha como conseqüência o fraco desenvolvimento tanto da produção de produtos manufaturados, mesmo os de consumo corrente, quanto da agricultura de subsistência.
Com o crescimento do mercado de consumo que se seguiu à abolição, as importações aumentaram, pois até produtos alimentícios eram trazidos de fora.

O endividamento externo. As exportações, todavia, não cresceram na mesma proporção, de modo que, para financiar as importações, o governo começou a se endividar continua­mente. Esses empréstimos eram contratados sobretudo na Inglaterra, que, assim, tornou-se a maior credora do Brasil. Enfim, chegou-se a um ponto em que as dívidas se acumularam a ponto de desencadear uma crise por falta de capacidade de o país saldar as suas dívidas externas.

funding loan. Em 1898, antes mesmo de Campos Sales tomar posse, o ministro da Fazenda, Joaquim Duarte Murtinho, foi à Inglaterra renegociar a dívida. Conhecido como funding loan (empréstimo de consolidação), o acordo financeiro negociado com os credores consistiu no seguinte: o Brasil substituiu o pagamento em dinheiro por pagamento em títulos dos juros dos empréstimos anteriores e um novo empréstimo lhe foi concedido para criar condições futuras de pagamento dos débitos.

O estímulo à industrialização. Diante de tal situação, o governo federal adotou uma política para desestimular as importações. Acontece que, com a República, a arrecadação dos impostos fora dividida do seguinte modo: os esta­dos ficavam com os impostos sobre as exportações, e o governo federal com os impostos sobre as importações. Ora, desestimular as importações significaria diminuir as suas receitas. Por essa razão, o governo federal recorreu ao imposto de consumo, que já havia sido instituído, mas até então não tinha sido cobrado.
Observemos que a simples instituição do imposto de consumo indicava que o mercado de consumo já havia atingido dimensões significativas e revelava a expectativa do governo em relação ao seu crescimento. E isso testemunhava a importância já adquirida pelo mercado interno.
Devido aos problemas gerados pelo aumento do consumo, o governo federal foi obrigado a estimular a produção interna a fim de diminuir as importações. Esse problema não existi­ria se as exportações, principalmente do café, fossem suficientes para cobrir todos os gastos com as importações. Não era esse o caso. Entretanto, para que o modelo agroexportador fosse preservado, era necessário criar condições para o abastecimento através da produção nacional própria. Foi por esse motivo que a industrialização começou a ser estimulada no Brasil.

A Política de Valorização do Café


A organização da economia cafeeira. As fazendas de café estavam espalhadas pelo interior, distantes dos grandes centros urbanos onde a produção era vendida. Com as precárias condições de transporte, aliadas ao fato de que os fazendeiros administravam diretamente as suas propriedades, os cafeicultores acabaram delegando a terceiros (os chamados comissários) a colocação de sua produção no mercado.
Esses encarregados da negociação das safras nos grandes centros eram, de início, pessoas de confiança com a incumbência de realizar as operações no lugar do fazendeiro. Aos poucos, de simples encarregados, esses comissários começaram a concentrar em suas mãos as safras de vários fazendeiros, tornando-se importantes intermediários entre produtores e exportadores, em geral estrangeiros.
As casas comissárias que então se organiza­ram passaram a negociar em grande escala o café de várias procedências. Com o tempo, apareceu um novo intermediário: os ensacadores. Estes compravam o café das casas comissárias, classificavam e uniformizavam o produto, adaptando-o ao gosto dos consumidores estrangeiros e, finalmente, o revendiam aos exportadores.
Com a profissionalização dos comissários, estes começaram a atuar também como banqueiros dos cafeicultores, financiando a produção por conta da safra a ser colhida.
Por volta de 1896, esse esquema começou a mudar. Os exportadores (estrangeiros), com a finalidade de aumentar os seus lucros, passa­ram a procurar diretamente os fazendeiros para negociar a compra antecipada das safras. Com seus representantes percorrendo as fazendas para fechar negócio, essa nova relação entre produtores e exportadores indicava, na verdade, que o mercado brasileiro encontrava­se em fase de profunda transformação.
De fato, conforme o esquema até então vi­gente, os comissários não apenas intermediavam a venda das safras, como também intermediavam a compra dos fazendeiros nas grandes casas importadoras de produtos de consumo estrangeiros. O esquema, portanto, era o seguinte: fazendeiros - comissários - ensacadores ---c› exportadores/importadores comissários - fazendeiros.
A decisão dos exportadores em negociar a safra diretamente com os fazendeiros modificou também a forma de atuação dos importadores que, não dispondo mais do comissário que intermediava as compras para o fazendeiro, tive­ram de espalhar agentes e representantes de vendas pelo interior. O mercado ficou mais segmentado mas, em compensação, mais livre.

A crise de superprodução. Contudo, desde 1895, a economia cafeeira não andava bem. Enquanto a produção do café crescia em ritmo acelerado, o mercado consumidor europeu e norte-americano não se expandia no mesmo ritmo. Conseqüentemente, sendo a oferta maior que a procura, o preço do café começou a despencar no mercado internacional, trazendo sérios riscos para os fazendeiros.
Nos primeiros dois anos do século XX, o Brasil havia produzido pouco mais de 1 milhão de sacas acima da capacidade de consumo do mercado internacional. Essa cifra saltou para mais de 4 milhões em 1906, alarmando a cafeicultura.

O Convênio de Taubaté (1906). Para solucionar o problema, os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de janeiro reuniam-se na cidade de Taubaté, no interior de São Paulo. Decidiu-se então que, a fim de evitar a queda de preço, os governos estaduais interessados deveriam contrair empréstimos no exterior para adquirir parte da produção que excedesse o consumo do mercado internacional. Dessa maneira, a oferta ficaria regulada e o preço poderia se manter. Teoricamente, o café estocado deveria ser liberado quando a produção, num dado ano, fosse insuficiente. Ao lado disso, decidiu-se desencorajar o plantio de novos cafezais mediante a cobrança de altos impostos. Estabelecia-se, assim, a primeira política de valorização do café.
O governo federal foi contra o acordo, mas a solução do Convênio de Taubaté acabou se impondo. De 1906 a 1910, quando terminou o acordo, perto de 8 500 000 sacas de café haviam sido retiradas de circulação.
O acordo não foi propriamente uma solução, mas um simples paliativo. E o futuro da economia cafeeira continuou incerto.

Referências :

http://tecciencia.ufba.br/rafha_arcanjoh

sábado, 1 de março de 2014

Entenda o livro O Alienista



Análise da obra

O Alienista, primeira novela de Machado de Assis maduro. Eis um texto que está entre conto e novela, graças à sua extensão. Vale já pelo sabor de seu humor e ironia. Mas há que se ver na obra elementos típicos da produção realista de Machado de Assis, principalmente a análise psicológica e a crítica social.

A primeira edição em livro da obra é de 1882, quando aparece incorporado ao volume Papéis Avulsos. Anteriormente havia sido publicado em A Estação (Rio de Janeiro), de 15 de outubro de 1881 a 15 de março de 1882. É dessa época também Memórias Póstumas de Brás Cubas que se tornaria um verdadeiro ponto de irradiação da obra da segunda fase de Machado de Assis. O Alienista é, sem dúvida, apresenta bastantes pontos de contato com esse romance monumental.

Para muitos críticos, O Alienista se classifica como uma novela; sem dúvida, levados pelo número de páginas que em algumas edições, chega a mais de oitenta. Outros, conduzidos pela análise íntima da narrativa, classificam-na entre os contos machadianos, no que estão certos.

Já foi dito que o mergulho machadiano na mente de suas personagens, montando um micro-realismo, torna-o cego para questões sociais. No entanto, o presente conto é prova de que no nosso grande escritor o que ocorre é a soma desses dois campos. A personalidade é influenciada por forças sociais; por sua vez, a sociedade é influenciada por razões psicológicas. Dessa forma, podemos entender a literatura machadiana como expressão de problemas psicossociais.

Dentro desse esquema, pode-se até enxergar uma semelhança entre o autor e o protagonista, Simão Bacamarte, pois, como alienista (entende-se por alienista o médico que se especializava em cuidar de problemas ligados à mente, algo como hoje seria o serviço de um psiquiatra), está preocupado em analisar o comportamento dos habitantes da cidade em que está instalado e como a conduta influencia as relações sociais.

O mais interessante é notar aqui o caráter alegórico, ou seja, representativo que a narrativa assume. Tudo se passa em Itaguaí, pequena cidade do interior do Rio de Janeiro, durante o período colonial. Cria-se um clima de “era uma vez, num lugar distante...” Dessa forma, o que se passa nessa localidade é o que no fundo ocorre em toda nossa civilização.

Em O alienista o escritor nos propõe o problema da fixação de fronteiras entre o normal e o anormal da mente humana. Traçando uma linha rígida de procedimento profissional, o médico Simão Bacamarte aparece como símbolo de uma ciência fria, toda baseada na razão, fechada e sem frestas para a intuição ou a poesia, como caminho de conhecimento.

Todo o conto se desenvolve em tom de austeridade, embora as entrelinhas; o autor não descerra os lábios, como aquela falada alegria do alienista, que era “alegria abotoada até o pescoço”. Pintando o Dr. Simão Bacamarte como pessoa inteiramente consagrada aos livros, enfronhado em autores célebres, acatando as prescrições da ciência como dogmas de fé, e confundindo tudo na sua própria ciência, um tanto de cabala, Machado de Assis distribui em torno dessa curiosa personagem central, numa difusa alegoria, figuras secundárias, mas cheias de interesse humano, e todas com papel de responsabilidade na peça.

Nem comédia, nem tragédia. Sutilmente aparecem loucos furiosos, trancados em alcovas, até a morte; loucos mansos, andando à solta pela rua. Isso, antes da chegada do Dr. Bacamarte, que viria descobrir loucura até nas pessoas normais. Aos poucos se vai insinuando no leitor a desconfiança no equilíbrio mental do alienista, em quem a cidade, a principio, acredita, vendo nele a sua grande figura, e, por isso, concordando com a sua ciência, dentro do prolóquio — “de médico e louco todo mundo tem um pouco”.

Para contrastar o grande homem, lá está a esposa, que o ama e lhe admira o saber, desde que permaneça abstrato, teórico, sem aplicação. Por isso, não segue o regime alimentar por ele prescrito, e tem ciúmes dos estudos que lhe tiram a primazia nas preocupações do alienista. Já o farmacêutico é a bajulação interesseira, aproveitando as manias do doutor para obter vantagens — o próprio cachorro bebendo água na sombra do boi.

No mais, é o desfile de tipos humanos: o pródigo, o novo-rico, o orador de sobremesa, o ingrato, tantos outros que o leitor irá descobrindo. A revolta, com sua dose de acasos e qüiproquó, propicia a exibição costumeira do adesismo, da covardia moral e das fraquezas que poderiam viver e morrer na sombra, se a comoção social não as tivesse feito desabrochar inesperadamente.

Em O Alienista já encontramos o Machado de Assis definitivo, dono e senhor de sua expressão, traduzindo em recursos de estilo certas características, por assim dizer, labirínticas do seu modo de pensar. Preocupado com a infidelidade das palavras, pesando-as, examinando-lhes as facetas, contra ou a favor da luz; escritor em quem, aparentemente, a linguagem é a preocupação maior, quando, na verdade, só houve preocupação de dar às idéias vestimenta adequada e autêntica.

Estrutura da obra

Trata-se de um conto um tanto longo, estruturado em treze capítulos. Quanto à montagem, é interessante observar que Machado de Assis se fundamenta em possíveis "crônicas". Observe que, com alguma freqüência, ele se refere aos "cronistas" e às "crônicas da vila de Itaguaí" como, aliás, tem início O Alienista: "As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas." .

Também o fecho do conto apresenta a mesma referência: "Dizem os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses, no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada".

Foco narrativo

O narrador é em 3ª pessoa, portanto, onisciente. A intenção do narrador é a análise do comportamento humano: vai além das aparências e procura atingir os motivos essenciais da conduta humana, descobrindo, no homem, o egoísmo e a vaidade. A intencionalidade crítica do narrador não se reflete somente ao ser humano de forma geral. Ele critica, também, a postura do cientista e do extremo cientificismo do final do século XIX. Conseqüentemente, o narrador termina por criticar a Escola Naturalista.

Características de Machado de Assis encontradas no conto O Alienista

1. Frases Curtas.

2. Linguagem correta

3. Conversa com o Leitor.

4. Análise psicológica das personagens

Casa de Orates - "Casa de Loucos". E, aparentemente, ele deseja servir à ciência. Porém, por trás dos atos aparentemente bons, surpreende-se a intenção verdadeira de Bacamarte:atingir a glória e ser a pessoa mais importante de Itaguaí. É Machado desmascarando a hipocrisia humana.

O objetivo de Simão Bacamarte - Conhecer as fronteiras entre a razão e a loucura. Na realidade, ele pretendia buscara glória, através de um estudo da patologia cerebral.Obs.: através de Bacamarte, Machado de Assis critica os cientistas da época, que, para ele, não tinham os conhecimentos suficientes e necessários. Esse conhecimento era bazófia (da boca para fora).

Simão Bacamarte e o sanatório - A aprovação cessa quando Simão Bacamarte recolhe, na Casa Verde, pessoas em cuja loucura a população não acredita. Para Simão Bacamarte, o homem é considerado um caso que deve ser analisado cientificamente.Obs.: Machado de Assis critica a postura cientificista que não vê o ser humano na sua integridade corpo x alma.

As teorias de Simão Bacamarte

Teoria 1: são loucos aqueles que apresentarem um comportamento anormal de acordo com o conhecimento da maioria.

Teoria 2: ampliou o território da loucura: "A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades, fora daí, insânia, insânia e só insânia."

Teoria 3: os loucos agora são os leais, os justos, os honestos e imparciais. Dizia que se devia admitir como normal o desequilíbrio das faculdades e como patológico,o seu equilíbrio.

Teoria 4: o único ser perfeito de Itaguaí era o próprio Simão Bacamarte. Logo, somente ele deveria ir para a Casa Verde.

Tempo / Ação

Percebe-se que toda a história se passa no passado, havendo o uso do flash back: "As crônicas da Vila de Itaguaí dizem que, em tempos remotos, vivera ali um certo médico: o Dr. Sr. Bacamarte.

"O tempos remotos" a que se referem as crônicas, pelas indicações dadas, se remontam à primeira metade do século XVIII (= reinado de D. João V).

A ação transcorre, como já se viu, em Itaguaí, "cidadezinha do Estado do Rio de Janeiro, comarca de Iguaçu", conforme declara o crítico Massaud Moisés em nota de pé-de-página da edição que estamos consultando.

O conto

1. Aspectos de crítica sócio-política: Na figura do Porfírio, analisa-se o político sempre buscando vantagens pessoais. No povo da cidade de Itaguaí, percebe-se a submissão, a fácil manipulação, bastando, para isso, conhecimento ou liderança.

2. Humor amargo de Machado de Assis - visão irônica e amarga que enfatiza aspectos negativos denunciadores da frustração humana: o autor utiliza o humor para criticar a hipocrisia humana, provocada por um sistema social regido pela falta de valores. O homem, para Machado, é acima de tudo, ganancioso e movido pela intenção de poder.

3. "Simão Bacamarte aparece como símbolo de um saber duvidoso, pois não se revela senão em estado de pânico em que põe o universo, quando ele procura determinar uma norma geral de conduta para o comportamento humano,igualando, rasteiramente, todos os indivíduos". "É a deformação do "cientista" que toma como verdade absoluta os pressupostos da ciência e comete, em seu nome, equívocos sucessivos sem dar pelo absurdo de suas pretensões". Machado de Assis chama a atenção para a relatividade da ciência. Observe-se que, a cada teoria que ele cria, ele pensa estar diante de uma verdade absoluta para, em seguida, perceber que isso não é verdade.

4. Em O Alienista, Machado de Assis revela uma visão satírica e irônica da mentalidade cientificista que marca o século XIX - O Naturalismo. O Realismo aproveita, também, nos seus romances, algumas características filosófico-científicas da época. Porém, condena os excessos do Naturalismo.

Personagens

Dr. Simão Bacamarte - é o protagonista da estória. A ciência era o seu universo – o seu "emprego único", como diz. "Homem de Ciência, e só de Ciência, nada o consternava fora da Ciência" (p. 189). Representa bem a caricatura do depotismo cientificista do século XIX (como está no próprio sobrenome). Acabou se tornando vítima de suas próprias idéias, recolhendo-se à Casa Verde por se considerar o único cérebro bem organizado de Itaguaí.

D. Evarista - é a eleita do Dr. Bacamarte para consorte de suas glórias científicas. Embora não fosse "bonita nem simpática", o doutor a escolheu para esposa porque ela "reuni condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem", estando apta para dar-lhes filhos robustos, são e inteligentes". Chegou a ser recolhida à Casa Verde, certa vez, por manifestar algum desequilíbrio mental.

Crispim Soares - era o boticário. Muito amigo do Dr. Bacamarte e grande admirador de sua obra humanitária. Também passou pela Casa Verde, pois não soube "ser prudente em tempos de revolução", aderindo, momentaneamente, à causa do barbeiro.

Padre Lopes - era o vigário local. Homem de muitas virtudes, foi recolhido também à Casa Verde por isso mesmo. Depois foi posto em liberdade porque sua reverendíssima se saiu muito bem numa tradução de grego e hebraico, embora não soubesse nada dessas línguas. Foi considerado normal apesar da aureola de santo.

Porfírio, o barbeiro - sua participação no conto é das mais importantes, posto que representa a caricatura política na satírica machadiana. Representa bem a ambição de poder, quando lidera a rebelião que depôs o governo legal. Foi preso na Casa Verde duas vezes; primeiro, por Ter liderado a rebelião; segundo, porque se negou a participar de uma Segunda revolução: "preso por Ter cão, preso por não Ter cão" (pág 229).

Outros figurantes aparecem no conto. Cada um representando anomalias e possíveis virtudes do ser humano. Há loucos de todos os tipos no livro. Daí a presença de tanta gente...

Enredo

O protagonista, depois de títulos e feitos conquistados na Europa (apesar de suas ações aparentemente disparatadas, a personagem é alguém amplamente aceito pelo Estado, estabelece-se em Itaguaí com a idéia de criar um manicômio (Casa Verde), que lhe seria um meio de estudar os limites entre razão e loucura. No entanto, sua metodologia de estudo é que o diferenciará radicalmente de Machado de Assis. Em sua frieza analítica, Simão assumirá um tom tão rígido que acabará se tornando caricaturesco, falho e absurdo (parece haver aqui critica ao rigor analítico do determinismo cientificista que andava em moda na literatura da época de Machado de Assis, principalmente a de aspecto naturalista). O problema é que o especialista vem investido do apoio oficial de todo o aparelho do Estado, o que faz alguns críticos enxergarem nessa obra não uma preocupação com a abordagem psicológica, mas uma crítica de alcance político. O conto seria, portanto, uma forma de questionamento contra o autoritarismo massacrante do sistema.

Os primeiros internados no hospício foram casos notórios e perfeitamente aceitos pela sociedade de Itaguaí. Mas começa a haver uma seqüência de escolhas que surpreendem os cidadãos da pequena cidade. O primeiro é o Costa, que havia torrado sua herança em empréstimos que se tornaram fundo perdido. O pior é que se sentia envergonhado de cobrar seus devedores, passando a ser até maltratado por estes. Depois foi a prima do mão-aberta, que tinha ido defender seu parente com uma mirabolante história de que a decrepitude financeira se devia a uma maldição (o mais hilário é que essa mulher fora ao hospício para defender o primo e, após contar tal história, acaba sendo na hora internada. Aumenta, aqui, o terror sobre uma figura tão déspota e traiçoeira como Simão Bacamarte, pelo menos na visão do povo de Itaguaí).

Após esses, é internado o albardeiro Mateus (profissional que faz albardas, ou seja, selas para bestas de carga. É uma profissão bastante humilde, tanto que a palavra albarda também significa “humilhação”. Há, portanto, uma carga negativa associada a essa profissão. Ter isso em mente ajuda na interpretação do episódio), que se deliciava em ficar horas admirando o luxo de sua enorme casa, ainda mais quando notava que estava sendo observado. Essa personagem serve para que reflitamos questões como a valorização exagerada do status e até mesmo uma análise do preconceito, pois a maioria da cidade não aceitava um homem de origem e trabalho humilde possuir e ostentar tanta riqueza.

Apenas esses atos já foram suficientes para deixar a cidade em polvorosa. Assim, todos anseiam pela volta de D. Evarista, esposa de Simão Bacamarte, que havia ido para o Rio de Janeiro como maneira de compensar a ausência do marido, tão mergulhado que estava em seus estudos (é interessante lembrar a relação que o casal estabelece. Ela é extremamente apaixonada, algumas vezes dramática (se bem que o narrador deixa um tom de descrédito ao sempre afirmar que essa caracterização é baseada nos cronistas da época). Ele é frio, unindo-se a uma mulher não preocupado com sua beleza, mas com aspectos práticos, como a capacidade, o vigor para reprodução. Chega até a bendizer o fato de ela não ser bonita, pois seria menos dor de cabeça). Para os cidadãos, ela era a esperança de salvação daquele terror constante e aparentemente arbitrário. Por isso, a maneira festiva com que foi recebida.

No entanto, em meio a um jantar em homenagem à salvadora senhora, Martim Brito, um jovem dotado de exibicionismo de linguagem, faz um elogia um tanto exagerado: Deus queria superar a Si mesmo quando da concepção de D. Evarista. Dias depois, o janota estava internado.

Logo após, Gil Bernardes, que adorava cumprimentar todos, até mesmo crianças, de maneira até espalhafatosa, é confinado. Depois Coelho, que falava tanto a ponto de alguns fugirem de sua presença.

Pasma diante de aparente falta de critério, Itaguaí acaba tornando-se um barril de pólvora prestes a explodir. Aproveitando-se dessa situação, o barbeiro Porfírio, que há muito queria fazer parte da estrutura de poder, mas sempre tinha sido rejeito, arma um protesto com intenções revolucionárias (note que a questão pessoal (Coelho tinha negócios importantes com Porfírio que tinha sido interrompidos com a internação, sem mencionar o sonho por poder da personagem) é disfarçada em preocupações altruístas. Bem machadiano esse aspecto dilemático da realidade).

Depois de ter seu requerimento desprezado pela Câmara de Vereadores, une-se a vários outros descontentes. Há uma esmorecimento quando se descobre que Simão havia pedido para não receber mais pelos internos da Casa Verde. Configura-se a idéia de que as inúmeras reclusões não eram movidas por corruptos interesses econômicos.

No entanto, Porfírio consegue fôlego e institui uma insurreição, que recebe até o seu apelido: Revolta dos Canjicas. Vão até a casa do alienista, mas este os recebe, de sua sacada, de forma equilibrada e sem a mínima disposição em se demover de sua metodologia científica. A fúria, que tinha sido momentaneamente aplacada pela frieza do oponente, é instigada quando este lhes dá as costas e volta aos seus estudos.

Providencialmente, a polícia da época (dragões) surge, com a intenção de sufocar o levante. O mais espantoso é que, justo nesse momento em que o jogo parecia perdido para Porfírio, tudo se volta a seu favor: os componentes da guarda, provavelmente enxergando injustiça na ditadura científica, passam para o lado dos revoltosos. Era tudo o que o líder mais queria – poder absoluto.

Surpreendentemente (ou não), fortalecido, Porfírio esquece a Casa Verde e se dirige para a Câmara dos Vereadores para destituí-la. Senhor supremo, no dia seguinte encontra-se com o alienista, que já friamente (como de costume) esperava ser demitido. Impressionantemente, o novo governante afirma que não vai meter-se em questões científicas.

Configura-se aqui uma crítica a tantas revoluções que ocorreram na História e que estão por ocorrer. Entende-se que elas são na realidade movidas por interesses coletivos autênticos, mas que acabam sendo manipuladas e servindo de trampolim para que determinadas pessoas subam ao poder por outros motivos, mais egoístas.

Provavelmente todas essas idéias passaram na mente de Simão no momento em que Porfírio veio expressar-lhe apoio em seu trabalho sanitário. Tanto que pergunta quantos pessoas haviam morrido na revolução. São os dois casos que descobre como matéria de estudo. O primeiro é o fato de gente ter perdido a vida por um levante que tinha a intenção de derrubar a Casa Verde e agora tudo ficar esquecido. O segundo é o Porfírio antes se levantar ferozmente contra Porfírio e agora considerá-lo de extrema utilidade para o seu novo governo. O que virá daí já se sabe.

Dias depois, 50 apoiadores da revolução são internados. Porfírio ficou desnorteado, mais ainda porque um seu opositor, o barbeiro João Pina, levanta-se contra. Na realidade, este não estava interessado em questões sociais, mas tinha uma rixa pessoal com o outro barbeiro. Conseqüência: arma uma balbúrdia tamanha que acaba derrubando o Canjica.

Mas o novo poder não destitui a Casa Verde. Fortalece-a. Mais gente é confinada. Crispim, assistente e bajulador do alienista, que apóia Porfírio no momento que pensava que Simão havia caído. Depois o Presidente da Câmara dos Vereadores. O clímax deu-se quando a própria esposa do alienista, extremamente preocupada com jóias e vestidos, a ponto de não conseguir dormir por não saber como iria numa festa, acaba sendo internada. Ao mesmo tempo que era a prova de que Bacamarte não tinha intenções egoístas, pois até a própria consorte tinha se tornado vítima, tornava também patente a arbitrariedade a que Itaguaí estava submetida.

Certo tempo depois, como num feito rocambólico, a cidade recebe a notícia de que Simão determinou a soltura de todos os “loucos” da Casa Verde. Na verdade, o cientista havia notado que 75% dos moradores estavam confinados. Estatisticamente, portanto, sua teoria estava errada, merecendo ser refeita.

Esse recuo, além de demonstrar um rigor científico louvável, pois demonstra que o protagonista não está preocupado com vaidade, tanto que reconhece que erra, exibe mais elementos interessantes para a interpretação do conto. Pode-se dizer que exibe uma questão polêmica: quem é normal? O que segue a maioria? Se 75% apresentam desvios de personalidade, desvios do padrão (era essa, finalmente revelada, a regra que determinava quem era e quem não era são), então o normal seria não seguir um padrão. Fora essa questão polêmica, deve-se perceber a força que o Estado, por meio da Casa Verde (tanto é que mudavam os poderosos, mas o sistema continuava o mesmo), assumia em determinar quem estava na linha e quem não estava. Todos tinham de se encaixar a uma norma.

Enfim, dentro da nova teoria (louco era quem mantinha regularidade, firmeza de caráter), o terror recomeça. O vereador Galvão é o primeiro a ser internado, porque havia protestado contra uma emenda da Câmara que instituía que somente os vereadores é que não poderiam ser reclusos. Sua alegação era a de que os edis não podiam legislar em causa própria. A esposa dedicada de Crispim é também alocada na Casa Verde. O barbeiro fica louco. Um inimigo de Simão se vê na obrigação de avisar o alienista do risco de vida que o cientista corria. Por tal desprendimento, na hora acaba sendo confinado. Até Porfírio, volta a ser preso, pois, conclamado a preparar outra revolta, recusa-se, pois se tocou que gente havia perdido a vida na Revolta dos Canjicas para o resultado ser infrutífero. Ao ser preso, resumiu bem sua situação: preso por ter cão, preso por não ter cão.

Alguns casos são interessantes. Pessoas que se demonstram firmes em sua personalidade são consideradas curadas quando exibem algum desvio de caráter. Assim foi com um advogado de conduta exemplar que só não foi internado porque havia forçado um testamento a ter a partilha do jeito que queria. Ou então quando a esposa do Crispim xinga-o ao descobrir o verdadeiro caráter do marido.

Porém, fora esses casos, Simão vai percebendo que seu segundo método era falho, pois ninguém naturalmente tinha uma personalidade reta, perfeita. Com exceção dele próprio. É por isso que, após muita reflexão e muita conversa com pessoas notórias da cidade, principalmente o padre (que já havia sido internado), conclui que o único anormal era ele próprio. A despeito dos protestos de muitos, inclusive de D. Evarista, decide, pois, soltar todos mais uma vez e encerrar-se sozinho na Casa Verde para o resto de sua vida.

Referencia bibliográfica:

http://www.passeiweb.com

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Lampião e Maria Bonita: Amor e morte no cangaço

Gente meio minhas leituras achei no site guia do estudante, esse texto de Rodrigo Cavalcante, sobre: Lampião e Maria Bonita: Amor e morte no cangaço

Na edição de 13 de fevereiro de 1926, o recifense Jornal Pequeno publicou a notícia da emboscada armada pelo tenente Optato Gueiros dando fim ao cangaceiro Lampião entre os municípios de Custódia e Alagoa de Baixo, em Pernambuco: Lampião estava morto. À época, Virgulino Ferreira da Silva não era mais um bandoleiro famoso no rastro de outros como Antônio Silvino e Sinhô Pereira. Era capitão. Convidado por Padre Cícero no início daquele ano para combater a Coluna Prestes, de passagem no Ceará, ele recebera a patente militar de um funcionário público de Juazeiro - que, mais tarde, diria que diante dele e de seus cabras assinaria até a demissão do então presidente Arthur Bernardes. Sua folha de crimes era tão popular que o nome Lampião passou a ser usado até em propaganda de pílulas para aliviar prisão de ventre.


O alívio em torno da notícia de sua morte, contudo, durou pouco. Para a decepção dos leitores que confiaram na estatura da notícia do Jornal Pequeno, tratava-se de mais um anúncio falso de sua morte. Lampião não apenas reaparecera como propôs meses depois ao governador de Pernambuco a divisão do estado em dois, para que ele pudesse ser nomeado governador do Sertão. Até a sua morte (definitiva) por tropas alagoanas, em 1938, na Grota de Angico, em Sergipe, ele viveria longos 12 anos. Tempo suficiente para se apaixonar, viver e morrer ao lado da baiana Maria Gomes de Freire, a primeira mulher na história do cangaço. Quando retratos da mais tarde chamada Maria Bonita circularam pelos jornais de todo o país, o Brasil surpreendeu-se com suas velhas ideias do sertão. Numa época em que as teorias raciais eram levadas a sério e a "civilização litorânea" vivia sob ameaça das constantes revoltas das "sub-raças sertanejas", tal como descritas pelo engenheiro Euclides da Cunha em Os Sertões, a presença feminina de uma sertaneja altiva e vaidosa vivendo em harmonia com o cangaceiro mais famoso do país chocou o Brasil. Em meio à violência, crueza e aridez do cangaço, haveria espaço para algum sinal de beleza ou de uma real história do amor?

No sertão, as fronteiras do Nordeste são outras, aproximando os estados que parecem mais distantes de quem só conhece o litoral. A cidade baiana de Paulo Afonso, por exemplo, onde Maria Bonita nasceu, está mais próxima de cidades vizinhas de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Paraíba do que de Salvador, a mais de 460 km de distância. Daí que, quando o cerco em alguns dos sete estados por onde o bando de Lampião andava se fechava, ele se movia por essas fronteiras com suporte de uma rede bem montada (e remunerada) de informantes, fazendeiros e pequenos proprietários dispostos a lhe dar refúgio - os chamados coiteiros. Foi de passagem pela propriedade dos coiteiros Zé Filipe e Dona Deia, no povoado de Malhada da Caiçara, em Paulo Afonso, que Lampião se engraçou no final de 1929 por Maria "da Deia", filha do casal de 18 anos que estava de volta à casa dos pais após mais uma briga com o marido, o sapateiro Zé Nenê. A aproximação de Lampião foi forjada por meio de uma "encomenda": segundo os parentes de Maria Bonita, Lampião solicitou que ela e suas irmãs bordassem as iniciais "CV" (Capitão Virgulino) em quinze lenços de seda, com a promessa de que em menos de um mês voltaria para buscá-los. "Minha família conta que ele demorou bem mais do que o prometido, mas, quando voltou, teve início o namoro com minha avó", diz Vera Ferreira, historiadora e neta de Lampião e Maria Bonita que vive hoje na cidade de Aracaju, em Sergipe, coautora do livro Bonita Maria do Capitão, uma coletânea de relatos e imagens da avó. Ela conta que somente após seus bisavós decidirem mudar para Alagoas após serem perseguidos por dar guarida a Lampião, que Maria Bonita tomou a decisão de ingressar no cangaço.

A decisão não tinha precedentes. Na secular história do cangaço, a regra era clara: a presença de mulher destruiria o bando, seja por razões práticas seja por outras de fundo místico. Entre as de ordem prática, estavam o atraso que elas causariam nos momentos de fuga e a facilidade com que entregariam os companheiros caso fossem pegas pelos macacos (como eram pejorativamente chamados os volantes policiais).

Além disso, a presença de mulheres em meio a cabras armados era uma ameaça constante de conflitos em casos de ciúme e traição. Quanto ao motivo místico em torno da presença da mulher, estava a crença de que elas abriam "o corpo fechado" do cangaceiro. "Homem de batalha não pode andar com mulher. Se ele tem uma relação, perde a oração, e seu corpo fica como uma melancia, qualquer bala atravessa", já dizia o cangaceiro Balão em depoimento transcrito no livro Guerreiros do Sol, do historiador Frederico Pernambucano de Mello.

Sinhô Pereira, cangaceiro lendário que havia chefiado Lampião, se disse surpreso com a novidade: "Fiquei muito admirado quando soube que Lampião havia consentido que as mulheres ingressassem no cangaço. Eu nunca permiti. Nem permitiria". Ou seja: mais do que a decisão de Maria Bonita, foi a permissão de Lampião do ingresso da baiana no grupo que mudou o cotidiano do cangaço. "Com a entrada de Maria para o bando, os outros cabras puderam juntar suas mulheres ao grupo", diz a historiadora Isabel Lustosa, autora de De Olho em Lampião.


Violência menor

Algumas garotas juntaram-se aos cangaceiros por vontade própria. Outras, como Dadá, companheira de Corisco, foram raptadas e terminaram se adaptando. Desde então, estima-se que mais de 40 mulheres tenham ingressado naquela vida. Mas o que de fato mudou no cangaço e no comportamento do próprio Lampião com a presença das mulheres?

De acordo com o relato dos cangaceiros e historiadores, a presença de Maria Bonita e de outras mulheres deu início a uma fase menos violenta do bando de Lampião, cujas ações passaram a ser mais seletivas e centradas na coleta de dinheiro (os resgates como garantia de que não tomariam de assalto uma cidade ou propriedade). Além de ações mais estratégicas, semelhantes às de organizações mafiosas, há relatos de que Maria Bonita intercedeu mais de uma vez pela vida de pessoas capturadas pelo bando. "Lampião costumava atender seus pedidos de clemência e, de resto, tanto pela idade dos cangaceiros quanto pelo ambiente doméstico que as mulheres trouxeram para os acampamentos, houve uma redução da violência de suas ações", diz Isabel Lustosa. "A presença de Maria Bonita e outras mulheres inibiu os casos de estupros", diz João de Sousa Lima, pesquisador da vida de Maria Bonita. "Até porque os relatos daqueles que conviveram com o bando são unânimes quanto ao respeito que a presença dela inspirava no grupo."

Como mulher do rei do cangaço, o respeito incluía o direito a uma espécie de guarda e secretário particular, conhecido por Sabonete. "Polia-lhe as joias, ocupava-se dos seus recados, de suas finanças, farmácia, armas e tudo mais da esfera pessoal, desfrutando nessa curiosa função de mordomo das caatingas do agrado de sua rainha e do capitão, seu rei", diz Pernambucano de Mello.


Mimos excessivos

Talvez, por isso, a cangaceira Dadá, parceira de Corisco, tenha descrito Maria Bonita como alguém de mimos excessivos para quem vivia no sertão. O cangaceiro José Alves de Barros, vulgo Vinte e Cinco, que conviveu com o casal, daria outro testemunho sobre ela: "Parecia uma menina grande. Ela era brincalhona, uma moleca e conquistava todo o mundo".

A presença das mulheres exigiu a criação de novas regras para definir o papel delas no bando. Mesmo não participando diretamente nos combates, tinham que aprender a atirar para se defender. "Em geral, elas portavam revólveres de calibre 28 e 32 e pequenos punhais para proteção", diz Germana Gonçalves de Araújo, coautora do livro Bonita Maria do Capitão. Além disso, nenhuma mulher podia entrar no bando sem já estar atrelada a um cangaceiro. Casos de traição costumavam ser punidos com execução, e há relatos até de viúvas que, não conseguindo mais se unir a outro cangaceiro, foram executadas para não se tornarem um fardo para o grupo ou presas fáceis da polícia. As crianças que nascessem no cangaço tampouco poderiam permanecer no bando, tendo que ser entregues para outras famílias.

Foi o caso de Expedita Ferreira, a filha de Lampião e Maria Bonita, que nasceu em 13 de setembro de 1932 debaixo de um pé de umbu numa fazenda em Porto da Folha, Sergipe, estado em que ainda reside prestes a completar 81 anos de idade. Entregue ao casal de vaqueiros Aurora e Severo Mamede, com quem foi criada até os 8 anos como uma das 11 filhas do casal, Expedita recebia sempre que possível a visita dos pais famosos. "Os encontros com minha mãe se davam na fazenda, e ao menos em uma ocasião no meio da caatinga", diz Vera Ferreira, neta dos cangaceiros. "Num desses encontros, minha mãe conta que foi a fisionomia do pai que mais lhe marcara." Ainda que não se metessem diretamente nas ações, as mulheres não estavam imunes aos combates. Três anos após o nascimento de Expedita, Maria Bonita foi baleada pelas costas após um ataque comandado por Lampião na Vila Serrinha do Catimbau, próxima da cidade de Garanhuns, em Pernambuco. Alvo fácil da artilharia por estar usando vestido branco, ela teve que ser levada às pressas para um local de difícil acesso na caatinga para ser tratada pelo grupo.

No mesmo ano, o estouro de revoltas militares no Rio de Janeiro e em Natal fez com que o governo de Getúlio Vargas endurecesse a repressão não apenas contra comunistas e integralistas, como a qualquer grupo que desafiasse a autoridade do regime. Quando o turco Benjamim Abraão conseguiu filmar Lampião, Maria Bonita e o cotidiano do bando, em 1936 (veja na página ao lado), o governo Vargas mandou imediatamente apreender o filme e encarou as imagens como uma afronta.

Além disso, após uma série de acordos entre os governadores do Nordeste, as polícias estaduais ganharam passe livre para cruzar fronteiras, e armamentos pesados começaram a ser enviados para o combate aos cangaceiros, incluindo modernas metralhadoras jamais vistas por aqueles lados. Talvez por consciência disso, dali em diante o ritmo de ações do bando diminuiria. O próprio ímpeto de Lampião, beirando os 40 anos de idade, parecia arrefecido. "Na fase final de suas tropelias, entre os anos de 1936 e 1938, Lampião mostrava-se bem mudado", afirma Frederico Pernambucano de Mello em seu livro Guerreiros do Sol. De acordo com o historiador, ele trocou as constantes movimentações pelo sertão por uma vida mais sedentária e confortável em refúgios em Sergipe, "onde sua agressividade diluía-se nos braços de Maria Bonita, a quem amou profundamente, dedicando-lhe sempre calorosas palavras de elogio".


"O cego morreu"

Relatos dos cangaceiros confirmam que o casal tinha o que se pode chamar de uma convivência harmoniosa. "Nunca ouvi reclamarem. Eles se acostumavam. Nem faziam futuro, nem pensavam em morrer, porque eles sabiam que a qualquer momento podia acontecer, daí o que viesse estava bom", disse em 2009, em depoimento, o cangaceiro Vinte e Cinco. De acordo com ele, esse clima quase romântico, de foras da lei enfrentando seu destino sem muita preocupação, se estendia ao resto do grupo. "Chegasse o momento em que podíamos dançar, nós dançávamos; na hora de correr, nós corríamos; na hora de brigar, brigávamos; e a gente queria terminar aquele negócio logo, era matar ou morrer."

A morte viria de barco pelo Rio São Francisco no raiar do dia 28 de julho de 1938, na Grota de Angico, em Sergipe, no trecho do rio que faz divisa com o Estado de Alagoas. Foi da vizinha cidade alagoana de Piranhas, na outra margem, que partiria na véspera o tenente João Bezerra da Silva, acompanhado de 45 homens e três metralhadoras, com a determinação de exterminar o bando mais famoso do país.

Após prenderem o coiteiro Pedro Cândido, que apontou o lugar do esconderijo de Lampião, as forças policiais atravessaram o rio em direção ao acampamento, cercado de vegetação espinhenta - o local hoje faz parte da trilha do cangaço, um dos passeios oferecidos aos turistas que partem do litoral de Alagoas ou Sergipe em direção aos belos cânions do Rio São Francisco. Por ser um refúgio com uma única saída, o esconderijo era visto com maus olhos por quase todos os outros cangaceiros. Corisco, por exemplo, já tinha alertado Lampião de que considerava o local uma "cova de defunto". O líder do bando, no entanto, ignorou todos os conselhos e resolveu pernoitar ali.

Antes do nascer do sol, os volantes se dividiram em quatro grupos para cercar o acampamento. Assim que o dia começou a clarear e os primeiros cangaceiros saíram de suas tendas, o fogo abriu. Apesar dos 20 minutos de tiros e rajadas de metralhadoras, somente onze cangaceiros morreram. Outros 40 conseguiram escapar. Quando um dos volantes confirmou que "o cego também morreu", em referência à Lampião (que usava óculos sem grau para disfarçar um ferimento em um olho), e que Maria Bonita havia caído com ele, o tenente Bezerra sabia que entraria para a história. Para encerrar o episódio, faltava apenas um último ritual: decepar as cabeças para provar que, dessa vez, não se tratava de uma notícia falsa como a de 12 anos antes. De acordo com exames de medicina legal realizados pelo Instituto Nina Rodrigues, em Salvador, Maria Bonita estava viva quando teve a cabeça decepada.

Após a exposição macabra percorrer várias cidades do Nordeste, as cabeças embalsamadas foram levadas ao Instituto Nina Rodrigues, onde ficariam até 1962 - quando parentes dos cangaceiros exigiram o sepultamento delas. Com o fim do bando, o cangaço estava com os dias contados. Seu capítulo final deu-se com a morte de Corisco, que tentou suceder Lampião. Ele foi morto em uma emboscada em 1940, quando estava prestes a se entregar após Vargas promulgar lei concedendo anistia aos cangaceiros que se rendessem.

Um ano após a morte de Lampião, o mundo entraria na Segunda Guerra. Dali em diante, as teorias de inferioridade racial cairiam em desgraça, o Brasil se industrializaria e as histórias de Lampião e Maria Bonita influenciariam a cultura na música, no cinema e na moda - Maria Bonita é hoje nome de grife em desfiles concorridos do país. O que parece não ter mudado mesmo é a situação dos sertanejos em tempo de seca: no início deste ano, a estiagem deixou cerca de mil cidades em estado de emergência.


O homem que capturou Lampião em imagens

Se o governo de Getúlio Vargas já estava desmoralizado por não conseguir prender Lampião e seu bando, ficou ainda mais quando o libanês Benjamim Abrahão conseguiu capturar imagens do cotidiano de Virgulino, Maria Bonita e seu grupo entre março e outubro de 1936.

Benjamim trabalhou como mascate no Nordeste após chegar ao Brasil fugindo da Primeira Guerra, em 1915. Mais tarde, foi descoberto pelo Padre Cícero em Juazeiro e se tornou seu secretário particular. Ao lado do padre, conheceu Lampião em 1926, ocasião em que o cangaceiro foi convidado a comandar o combate à Coluna Prestes, que estava no Ceará.

Após a morte do beato, Benjamim deu início ao projeto de filmar Lampião, com apoio do cearense Ademar Bezerra de Albuquerque, dono da empresa de fotografia e material fotográfico Abafilm. Ele não tinha dúvidas de que a fama do cangaceiro encheria salas de cinema em todo o país. Mesmo conseguindo a autorização de Lampião para filmá-lo na caatinga, o libanês nunca teve a recompensa merecida. O material da filmagem foi apreendido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas e, em 1938, dois meses antes da morte de Lampião e Maria Bonita, Benjamim foi esfaqueado em Serra Talhada, terra natal do cangaceiro, em circunstâncias não esclarecidas. Trechos do filme foram recuperados e fazem parte do acervo da Cinemateca Brasileira.
Cangaço fashionista

Lampião e seu bando abusavam de acessórios e bordados coloridos


1. Chapéu

Feito de couro com a aba da frente levantada. Enfeitado com moedas e com medalhas de ouro que continham inscrições como saudade, amor ou recordação

2. Estrelas

O signo de Salomão (estrela de oito pontas) era comum nos chapéus, pois acreditava-se que protegiam contra o mau-olhado.

3. Bandoleira

Faixa de couro firme usada para prender a arma na vertical. Adornada com moedas e ilhoses. Para Lampião, usar a arma nas costas na diagonal seria como "botar nas costas o pau da cruz e chamar a morte".

4. Cantil

Coberto com uma capa de brim, rico em bordados coloridos. Eram feitos de estanho ou alumínio ou até de cabaça. Junto, uma caneca cheia de folhas, para evitar barulho.

5. Bornal ou embornal
Bolsas laterais de tecido resistente usadas para o armazenamento de provisões, desde munição até roupas e alimentos. Era um dos acessórios mais coloridos e o mais pesado.

6. Jabiraca


Para secar o suor, usavam um lenço de seda preso no pescoço por uma sequência de anéis, o cartucho. Servia também como coador.

7. Chapéu

Chapéu de couro era coisa de homem. As mulheres usavam de feltro, de aba média, com testeira e barbela. A única semelhança era o gosto pelos enfeites.

8. Cabelo

Maria Bonita apareceu em fotos com o cabelo à la garçonne, tendência que surgiu no fim da década de 20. Os broches eram parte do visual

9. Luvas

Várias camadas de brim costuradas. A função era proteger a mão de galhos e espinhos deixando os dedos livres. As de Maria Bonita eram feitas de algodão e traziam bordadas no pulso as iniciais M.O.S. (Maria Oliveira da Silva).

10. Cartucheira


Servia para carregar pentes de munição e pistolas de maneira anatômica. Somando todos os acessórios, o cangaceiro podia carregar 40 kg. As mulheres levavam menos carga que os homens.

11. Perneiras


Como as cangaceiras usavam saias até o joelho, era necessário o uso de meias elásticas e perneiras de couro ou de tecido grosso.

12. Bordados

Feitos de linhas com cores fortes, podiam ser flores, ziguezagues ou cruzes e enfeitavam todos os acessórios.


Saiba mais

Livros


Bonita Maria do Capitão, Vera Ferreira e Germana Gonçalves de Araújo, Editora da Universidade do Estado da Bahia, 2011

Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste Brasileiro, Frederico Pernambucano de Mello, Massangana/Girafa, 2004

De Olho em Lampião: Violência e Esperteza, Isabel Lustosa, Claroenigma


Na internet

http://abr.io/lampiao
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Imagens captadas por Benjamim Abraão do bando de Lampião

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